Literatura de Autores Cearenses - História
Letras e Rabiscos na Terra de Manezim do Bispo
Fragmentos de um livro no prelo
Fragmentos de um livro no prelo
Escritores Ao Sopro da Maria-fumaça
Astolfo Lima
A literatura no
Ceará se desenvolveu através de consórcios, se bem que os escribas mais
talentosos, quase sempre, optassem pela carreira solo. Grupos ou
corriolas (no bom sentido) a se reunirem em clubes, associações de
classes
ou mesmo em torno de uma autoridade, como ocorreu logo em seus primórdios, por volta de 1813, quando
rapazes bem posicionados na sociedade provinciana passaram a frequentar
assiduamente o palacete governamental para tecerem loas ao Sr. Manoel
Inácio de Sampaio. Versejadores de ocasião: alguns, de boa índole,
embora fracos no mister de construir versos; outros, apenas de olho nas
benesses do Estado - uma prática, aliás, que haveria de se estender de
pai para filhos, compreendendo velho tronco genealógico de quatro ou
cinco famílias a abarcarem simplesmente tudo na Terra do Comendador Luís
Sucupira, desde os postos estratégicos da administração pública,
passando pelos cartórios, altos escalões do Judiciário, terras mais
produtivas, casas legislativas e, naturalmente, a imprensa e os pseudos
órgãos culturais. Nos salões distintos e tertúlias domingueiras, nenhum
artista do escalão inferior, ainda que em alguns momentos a periferia
literária viesse a revelar talentos inquestionáveis, como foi o caso de Ramos Neto, um modesto e retraído sonetista
que produziu ininterruptamente desde 1905 a 1944, publicando em todos
os jornais e revistas da capital, mas que seria ignorado de forma
sistemática por aqueles que distribuem crachás em troca de louvações
inúteis, conforme atestaria Edigar de Alencar em esclarecedor artigo
publicado em 1961 no Almanaque do Ceará. Por não
cortejar figurões, não requerer legitimidade à porta de academiazinhas,
Ramos Neto morreria na obscuridade, junto com seus preciosos inéditos,
sem que figurasse jamais numa mísera coletânea chapa-branca. "Teve o
destino inglório dos sonhadores, cujos versos jazem para sempre na vala
triste das gavetas ou na cova ignorada dos velhos periódicos." - nas
palavras do atento articulista há pouco citado. Sina também reservada a Carlos
Teixeira Mendes (o Teixeirinha), um modesto funcionário público que
passou 50 anos produzindo versos. Isso sem mencionar Holanda Cunha,
Alvaro Bomilcar e muitos outros que ainda farei desfilar no decorrer
desta narrativa, gente que embora atrelada a sobrenomes respeitáveis na
consolidação cultural do nosso Estado, em outras áreas, também
sucumbiria no mais completo anonimato... (aqui aparecem várias citações
sobre autores boicotados).
A
partir da segunda metade do século XIX, a febre de grêmios literários,
almanaques e outras publicações periódicas atingiria uma proporção tal
na terra de Justiniano de Serpa, a ponto de o competente Barão de
Studart ter que enfeixar tudo numa brochura de duzentas e tantas
páginas, o que seria válido sem dúvida, não apenas pelo registro
histórico, mas sobretudo porque nos porões dos arquivos públicos da
província haveria de ficar à disposição de pesquisadores mais audazes
alguma coisa sobre o verbo corrosivo do fantástico Padre Verdeixa, assim
como dados referentes à Academia Francesaa de Rocha Lima, Tomás Pompeu, Capistrano de Abreu; indicações a respeito da Padaria Espiritual de Antonio Sales, Adolfo Caminha, Rodolfo
Teófilo e Oliveira Paiva, e também alusivas ao Centro Literário, que
abrigava figuras do porte de Farias Brito, José Albano, Álvaro Martins e
Papi Júnior... (aqui um ensaio sobre os livros mais relevantes dos
autores citados).
Essa
febre de associações literárias, contudo, referia-se, na sua grande
maioria, a dissidências de outras dissidências. A debandada de moços de
uma mesma casta, entreveros momentâneos de grupinhos, todos com suas
posições políticas pouco definidas e apetite voraz: uns, compondo na boa
a oligarquia de plantão, comendo a la mineira e guarnecendo o
território conquistado, com unhas e dentes; outros, querendo detonar
aqueles para também se posicionarem melhor; aqui e ali, um ilustre e
autêntico representante da raça, como foram Soriano Albuquerque e
Joaquim Pimenta, esse último oriundo do interior, adentrando nossa bela
Fortaleza sem lenço ou documento, enfiado num paletó esgarçado para
enfrentar os donos da situação - responsáveis também por tudo de menor
importância que se publicava na terra do Manezim do Bispo. De relevante
mesmo, a escrita vigorosa e essencial de João Brígido, o
cronista-sociólogo-panfletário como jamais haveria de surgir outro igual
em todas as plagas nacionais, uma espécie de Quixote às avessas, sem
causa nenhuma ou de todas as causas, malabarista da palavra, um Voltaire
caboclo, o inventor do edital-dinamite de última hora cujo efeito pró
ou contra poderia ser modificado com uma simples vírgula, a encarnação
primeira do verdadeiro cabra macho nordestino (embora nascido capixaba) a
quem todos, sem exceção, faziam rapapé - temerosos de que pudessem ser
demolidos nas páginas de seu jornal. Correndo por fora, os poetinhas
vagos a se diluírem mútua e cordialmente, todos empunhando o mesmo
estandarte, porém procurando apenas o melhor cabide, detonando o
desafeto, "se roendo" de inveja daquele que lograsse melhor posição,
publicasse primeiro, o que, aliás, também haveria de se tornar uma
práxis por essas bandas até os tempos atuais. A exceção no período, em
termos de honestidade literária, seria, talvez, o singelo Juvenal
Galeno, vez que as nossas maiores expressões, pouco a pouco, iam
partindo para construírem suas vitoriosas trajetórias no sul-maravilha,
casos de José de Alencar, Capistrano de Abreu, Domingos Olímpio, Farias
Brito, Clóvis Bevilaqua, Araripe Júnior, Gustavo Barroso, assim como a
turma que viria depois, já no século da modernidade: Raimundo Magalhães
Júnior, Herman Lima, Gerardo melo Mourão e Rachel de Queiroz... (aqui
aparecerão textos raríssimos de João Brígido, Gustavo Barroso, assim
como apreciações sobre esses autores e seus livros).
Vejam mais fragmentos, sem as devidas correções, acréscimos ou subtrações que constarão na obra pronta:
Academia Francesa de Rocha Lima, João Lopes e Capistrano de Abreu
Quando
José de Alencar publicou "Iracema", no Rio de Janeiro, em 1865,
inaugurando nova fase no romance brasileiro, Juvenal Galeno lançava em
Fortaleza os seus "Prelúdios
Poéticos", que na avaliação de alguns críticos locais se tornaria marco
numa suposta "literatura cearense", podendo, portanto, fixar-se o poeta
como legítimo iniciador das atividades literárias em nosso Estado. Só
esqueciam, esses afoitos analistas, que o próprio Alencar - nossa maior
expressão em todos os tempos - já havia publicado "Cinco Minutos", em 1856; "A viuvinha", 1857; "O Guarani",
1857; "Lucíola, 1862", e "Diva", 1864, enquanto o Sr. Thomaz Pompeu de Souza Brasil também já havia dado a conhecer inúmeras
obras sobre História, como membro que era de algumas entidades
científicas, dentre essas a Sociedade de Geografia de Paris e os
Institutos Históricos de Pernambuco e o Brasileiro.
O
que ocorre é que por ficar todo mundo copiando todo mundo, tanto os
comentaristas de ontem quanto os de hoje tentam desvincular da nave-mãe a
literatura de autores nativos que tenha sido praticada em outros
lugares e que veiculem temas não ligados à província, estabelecendo
assim um verdadeiro cisma na Literatura Brasileira, que, a meu ver, é
uma só, boa ou má, praticada em qualquer Estado da Federação. Isso,
porém, não influi nem contribui no enfoque que pretendo dar ao meu
livro, ou seja: de simples e sincero relato sobre autores cearenses a
partir de José de Alencar, resgatando, quando possível, aqueles que
foram ficando à margem de nossa história pelo simples fato de não
pertencerem às castas dominantes no Estado do Ceará. Os que fizeram ou
fazem boa literatura, independente do reconhecimento acadêmico ou
popular.
Para
mim, portanto, marco nas Letras do Ceará, com repercussão
além-fronteira e relevantes ganhos culturais para o Estado, ocorreria
somente na década seguinte, mais precisamente em 1873, com a criação de um
grêmio lítero-filosófico que marcaria época, equiparando-se à famosa
Padaria Espiritual, que viria mais tarde com Antonio Sales e sua turma. Refiro-me à Academia Francesa do Ceará, uma entidade que abrigaria nomes como Capistrano de Abreu, João Lopes, Rocha Lima, se bem que na década anterior Araripe Júnior já houvesse publicado"Contos Brasileiros" (1868) e "Cartas Sobre a Literatura Brasileira" (1869), no Rio de Janeiro, dando mostras do grande ensaísta que haveria de firmar nome na Corte,
ao lado de José Veríssimo e Sílvio Romero, com os quais formaria a
denominada trindade crítica do Naturalismo Brasileiro. Seus ensaios
posteriores, sobre Gregório de Matos, Raul Pompéia e José de Alencar,
ainda hoje se mostram atualíssimos e indispensáveis aos estudos sobre
literatura brasileira. Capistrano de Abreu, por sua vez, se revelaria um
dos principais Historiadores de nosso país, publicando obras
fundamentais, a exemplo do "Estudo
sobre Raimundo da Rocha Lima" (1878); "José de Alencar" (1878); "O
Descobrimento do Brasil (1883); "A língua dos Bacaeris" (1897); "Os
Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil"; "Capítulos de História
Colonial" (1907); "Dois documentos sobre Caxinauás" (1911-1912), aqui
devendo incluir-se os livros póstumos: "Ensaios e Estudos (1931-33),
e Correspondência (1954). Quanto a Rocha
Lima, quis o destino que não vivesse o suficiente para deixar
registrado todo o brilhantismo do seu pensamento. Provavelmente teria
superado a todos os demais dessa expressiva geração, fosse pela
consistência de suas análises humanístico-literário-filosóficas, quanto
pela originalidade do seu estilo.
Na década seguinte, em São Paulo, Domingos José Nogueira Jaguaribe Filho (Dr. Jaguaribe) começava a destacar-se nas letras, publicando várias obras, dentre as quais: "Reflexões
sobre a colonização no Brasil"; Questões sociais; "Os herdeiros de
Caramuru"; "Arte de formar homens de bem"; "Carta a Sua majestade o
Imperador"; "Canalização do rio São Francisco para o Ceará"; "O
Município e a República"; "Propaganda em favor do Município"; "O veneno
moderno"; "O Império dos Incas"; "Atlântide"; "As Bases da Moral"; "O
Brasil antigo", que seria traduzido para o francês pela Societá dês
Antiquités Americanes, merecendo medalha de ouro. Domingos José, era
filho do Visconde
de Jaguaribe, um aracatiense, bacharel em direito formado pela Academia
de Olinda, tendo se tornado Senador pelo Ceará, em 1870, e Ministro da
Guerra em 1871, condecorado com a medalha da Campanha do Paraguai. Era
um grande pesquisador de história, juntamente com seu amigo Capistrano de Abreu.
Voltarei ao assunto
Signatários da literatura cearense
Como falei anteriormente, em
toda a História da Literatura produzida no Estado do Ceará, os seus
signatários (com raríssimas exceções) foram ou são graduados
funcionários públicos, secretários de Estado, Juízes, cartorários,
professores, médicos, que, da mesma forma, estão sempre distribuídos nos
melhores postos da administração pública desde que Martins Soares
Moreno por aqui aportou. Uns, com algum talento para a escrita, devemos
reconhecer; outros, porém, apenas vontadosos falsamente legitimados
pelos mandatários. Fora desse círculo vicioso, ainda que dono de prosa
ou verso de valor, nenhum escriba dos escalões periféricos haveria de
ganhar visibilidade. Bonfim Sobrinho, Carlos Gondim e Otacílio de
Azevedo seriam, talvez, as exceções nesse arco discriminatório. No que
diz respeito a Otacílio, modesto operário mas também poeta de méritos,
seria necessário que Mário Linhares praticamente denunciasse a
injustiça, para que, só assim, viesse a receber a justa homenagem. Dele,
Otacílio, me falaria longamente, sempre com citações elogiosas, outro excelente poeta também discriminado pelos donos da propalada literatura cearense: o simbolista Nonato de Brito.
Para terem ideia do enorme
poder que essa casta tem exercido em nosso Estado, cito aqui um episódio
bem significativo: todos os participantes do Grupo Clã - movimento
literário que surgiu em Fortaleza nos anos quarenta do século XX -
viriam a ser contemplados na década seguinte com relevantes cargos na
recém-inaugurada Universidade Federal do Ceará, com exceção apenas do
contista e teatrólogo Eduardo Campos, que ficaria à margem (como me
confidenciaria de viva voz) devido a longínquo desentendimento ocorrido
entre o então aluno Eduardo com o então Professor Martins, em que
Eduardo sorriu de algo, que não era a explanação do Mestre, mas por esse
foi tomado como sendo pouco apreço pela aula. Depois, felizmente, tudo
se esclareceria, e se tornaram bons amigos.
Dentre os aquinhoados com
cargos relevantes na UFC, gente com inquestionável capacidade para o
ensino superior, porém nenhum que viesse a produzir obras capazes de
atingir o grande público ou que se sobressaísse no contexto nacional, do
modo como desejava o correto e honrado professor Martins Filho -
defensor ferrenho da boa remuneração oficial para todo aquele que
militasse nas letras, com o que também concordo, diante de um mercado
editorial que sempre refuga as reais vocações. Por devotar tamanha
consideração aos homens de Letras, o Dr. martins Filho acabaria por
criar o Programa Editorial Casa de José de Alencar, responsável pela
publicação de centenas de obras importantes.
Para não ser injusto, eu
diria que somente um escritor dessa época, aceito pelo Grupo Clã, embora
não pertencesse à casta, fugiu a essa regra do benefício mútuo: José
Alcides Pinto - por sinal protocolado por essas mesmas elites dominantes
como maldito ou figura meramente folclórica, se bem fosse ele um dos
donos da melhor prosa produzida por aqui desde 1950, juntamente com o
contista e professor Moreira Campos. Raquel à parte, evidentemente, já
que essa fixara residência no sul maravilha, onde se habituaria a
escrever ao molde de seus contemporâneos da geração de 1930, com
especial destaque para a boa crônica, limitada, porém, a toques e
formatações do jornal para o qual estivesse trabalhando.
Investigando a Padaria Espiritual
Incontáveis vezes, ao manusear antigas edições dos livros de Antonio Sales que eu resgatava de sebos por aí, perguntava-me de onde proviera aquele lampejo que o levaria a criar uma Padaria Espiritual na provinciana Fortaleza de 1892, ainda que naquele tempo de desbragado romantismo (como já falei) fosse comum a instalação de grêmios literários e outras sociedades similiares, por aqui, onde o próprio Sales chegou a fazer parte de dezenas delas, inclusive as de caráter político, numa das quais, diga-se, ganharia popularidade para se eleger Deputado Constituinte. Outra coisa que me intrigava: o texto do poeta/prosador não diferia muito daquele produzido por seus pares mais talentosos. Uma literatura bem feita, inteiramente calcada no naturalismo, nada que o distinguisse em criatividade de seus contemporâneos Oliveira Paiva e Adolfo Caminha, ou mesmo de Rodolfo Teófilo. Por outro lado, minha curiosidade também se justificava porque sei bem que nada na literatura brasileira aconteceu ou acontece de forma inteiramente espontânea e original. Passamos a vida toda a copiar os manos portugueses que, por outro lado, já imitavam os franceses e ingleses, naquela roda dentada que nos fez marcar passo durante décadas. Tarefa difícil e inútil - logo perceberia. Só fui adiante na minha investigação sobre essa magnífica guinada na trajetória de Antonio Sales porque nos meus fragmentos de leituras esparsas sobre o poeta, sobretudo através do livro "Antonio Sales e Sua Época", de Wilson Boia, vi a figura singular de um cidadão de bem, completamente diversa daquela que tem caracterizado seus colegas escritores em qualquer época, quando a grande maioria nunca dispensa uma boquinha, seja de que natureza for. Antonio Sales, não. Abominava essas franquias oficiais e lamentava que o escritor não pudesse sobreviver de sua arte. Declinou de convites que lhe fizera Joaquim Nabuco para com ele servir em uma Embaixada, do mesmo modo que ignorou aceno do ilustrado e digno Caio Prado; ajudou Machado de Assis na fundação da Academia Brasileira de Letras e dessa esquivou-se sob tênue alegativa de que não era bom orador. Mais: quando teve que assumir alguma Secretaria de Governo em sua terra natal, o fez exclusivamente por circunstâncias políticas, vez que dessa regalia logo abriria mão, para viver recluso nos seus estudos e escrita. Nada desvendei do artista, bem verdade, mas fica aqui a minha sincera homenagem ao homem íntegro e consagrado autor de Aves de Arribação.
Antonio Sales
arranhava bem o francês, lia Leopardi no original e recitava Shakespeare
pros amigos sem se enrolar muito na pronúncia; um poliglota, portanto.
Por um tempo, até cogitou estudar alemão, dado a intimidade com alguns
escritores da terra de Hordellin. Algo raro em um jovem não pertencente à
casta dominante em nosso Estado, originário que era AS das dunas do
Paracuru, desprovido de curso superior e que, ao chegar à terra de
Bonfim Sobrinho, ainda garotão, tivera que escapar por trás de um balcão
de Mercearia. Obstinado nos seus estudos autodidáticos, nas horas vagas
o poeta incursionava pela Filosofia, criava passarinhos e tomava por
hábito meter-se num terno branco e pentear o cabelo de bandinha - uma
novidade na pacata Fortaleza dos anos oitenta do século XIX. Não era,
pois, um mané o idealizador da Padaria Espiritual - movimento literário
que anteciparia em três décadas aquele outro dos rapazes e velhotes de
Sampa (Semana de 22), que acabaria por transformar-se em marco da
literatura moderna tupiniquim...
Se as incursões
de Sales pela poesia simples de Tennyson ou pelo lirismo exagerado de
Stecchetti ou ainda pelos arroubos conservadores de Carducci, não me
forneceram pistas para chegar a seu veio renovador, por outro lado pude
captar alguma coisa em comum com o poeta em outro de seus autores
preferidos, que foi o referido Carducci, de quem fiquei sabendo que na
juventude fora figura central de um grupo de poetas que pretendia banir o
romantismo e retornar à tradição clássica; ou seja: uma situação até
certo ponto semelhante - se bem que paradoxa - a que propunha Antonio
Sales nos Estatutos da sua Padaria. Esse mesmo Carducci que, mais tarde,
se tornaria Senador e concederia aval à Monarquia de seu país, enquanto
Sales se fazia republicano e propunha a queda da Monarquia na terra
Brasilis. Em comum, talvez, não mais que o viés contestatório de que se
imbui todo jovem, sobretudo quando se é poeta - compreendi. Resumo da
ópera: o que ispirara Antonio Sales, pelo menos na concepção filosófica
da sua famosa Padaria, talvez se aproximasse mais do decadentismo
francês de 1886, quando alguns poetas lançaram manifesto denominado
Simbolismo, o que logo repercutiria em Portugal através das revistas "Os
Insubmissos" e "Boêmia Nova", fundadas por estudantes de Coimbra, entre
eles Eugênio de Castro, que, em 1890, publicaria Oaristos, um livro de
versos que inaugura essa corrente literária na terra de Camões. Sem
dizer que Sales também lia muito os loucos Baudelaire, Rimbaud e Paul
Verlaine, e não esteja descartada a possibilidade de que da mesma forma
lesse sobre a desconstrução de algumas teorias nacionalistas tão em voga
naquele momento ou se interessasse pela psicologia do inconsciente, de
Freud, ou enveredasse pelos desvarios de Nietzsche. Bingo! Ta na cara
que o interesse do poeta em aprender outras línguas, sobretudo a alemã,
não se dava por simples capricho de querer ler Goethe no original. E
aqui - bom esclarecer - entra apenas a minha especulação meramente
ficcional, uma vez que não estou a construir nenhuma tese acadêmica ou
um complemento formal de tudo aquilo que já foi dito à exaustão sobre o
poeta, aqui na pátria de Jáder de Carvalho...
Para concluir: como o bom autodidata sempre vai fundo naquilo que deseja desvendar, não descarto a possibilidade de que Antonio Sales quisesse ter o domínio do idioma germânico apenas para percorrer o ceticismo/materialismo de Nietzsche, o gênio rebelde que arvorara para si a modesta incumbência de varrer do mundo todos os seculares ideais do Cristianismo, e assim instaurar nova ordem calcada nos valores materialistas. Mais modesto, Sales queria apenas romper com uma forma viciada de expressar a literatura. Por aí...
Para concluir: como o bom autodidata sempre vai fundo naquilo que deseja desvendar, não descarto a possibilidade de que Antonio Sales quisesse ter o domínio do idioma germânico apenas para percorrer o ceticismo/materialismo de Nietzsche, o gênio rebelde que arvorara para si a modesta incumbência de varrer do mundo todos os seculares ideais do Cristianismo, e assim instaurar nova ordem calcada nos valores materialistas. Mais modesto, Sales queria apenas romper com uma forma viciada de expressar a literatura. Por aí...
Atingiríamos o
século da modernidade literária abraçados ao camoniano José Albano, um
esnobe cearense que cismou de percorrer a Europa em busca do elo perdido
da ancestral poesia que fora produzida no velho mundo. Genial,
portanto, esse Zé, muito embora não tenha atingido seu objetivo nem
angariado discípulos. Tão astuto, porém, que, ao se desvincular de todas
as correntes que buscavam percurso lógico para a literatura na terra de
Castro Carreira, resolveu morrer na França e ser sepultado por lá mesmo
- que Deus o tenha... Quintino Cunha, que lançaria em 1906, na França, o
livro "Pelos Solimões", uma obra de interesse
sobretudo histórico, que só seria reeditada quase um século depois, e
cuja primeira edição eu possuo, em ótimo estado, estando exposta à venda
para quem por ela me quiser pagar o valor de um bom vinho francês ou de
um Whisky escocês é também um de nossos nomes mais visíveis na primeira
década do século XX, junto com Domingos
Olímpio, a quem concedo o título de nosso primeiro grande escritor na
era da modernidade. Seu Luzia Homem (um clássico do naturalismo, de
1903), haveria de servir como matriz para outras obras que viriam a
seguir... Nos anos seguintes, assumiria o pódio o hoje esquecido e
boicotado Gustavo Barroso, um sujeito realmente vocacionado para a
escrita, autor de nada menos que 128 livros, e que tem sido ignorado até
mesmo em sua terra natal, de forma proposital, creio. Um caso que
mereceria estudo mais aprofundado, vez que G B escreveu não apenas
ficção da melhor qualidade, como, sobretudo, ensaios históricos,
refinada crítica, belos livros de memória e inúmeras pesquisas sobre o
nosso folclore... Nas minhas "caminhanças" entre livros, tive em mãos
pelo menos uns noventa (ainda disponho de cinquenta) desse autor
admirável, e a muitos li mais de uma vez, tanto pela excelência da prosa
quanto pela aguda percepção histórica e sua exuberante forma de narrar.
É impossível a alguém que ame o Ceará ficar indiferente ante a leitura
de seus três livros de memórias: CORAÇÃO DE MENINO, LICEU DO CEARÁ, E
CONSULADO DA CHINA. Ou diante do texto forte de O LIVRO DOS ENFORCADOS,
ou ainda com TERRA DO SOL, ALMAS DE LAMA E DE AÇO, e tantos e tantos
mais. O homem escreveu até um Dicionário Popular Brasileiro, foi
Presidente da Academia Brasileira de Letras, e dizem que o seu
posicionamento político enquanto membro da Ação Integralista Nacional
muito influenciaria para que viesse a se tornar hoje um escritor
desconhecido pelas novas gerações. Não é minha área de análise, mas como
admirador da boa literatura, não posso entender o que teria a ver a
opção político-partidária ou filosófica de um cidadão com suas
qualidades literárias. A meu ver, quem deve julgar o escritor é o
público. Nenhuma academia do mundo, por mais conceituada que seja, e
muito menos um editor, têm autoridade para julgar um escritor e sua
obra, ou simplesmente omiti-los por conta de supostas ideologias. E
ninguém na vida comum, seja governante ou o que for, pode cercear no
escritor o sagrado direito de expressar livremente o seu pensamento. Se
ele estiver certo ou errado em suas posições, sejam literárias ou
políticas, só o tempo dirá... E neste momento de espantosa velocidade da
informação, com a Internet comandando todas as mídias, não é justo que
se sonegue às novas gerações os fatos mais significativos na história de
um povo, e no caso presente, da literatura. Porque aí se estaria
abrindo espaço para legitimação de grandes farsas, aos caudalosos textos
que catalogam certos autores não pela importância literária de cada um,
mas apenas por suas convicções políticas em determinada época... Quase
todos os blogs e sites do mundo virtual omitem Gustavo Barroso. Quando
aparece alguma coisa, geralmente são textos que destorcem a realidade, e
quase sempre mal escritos, cansativos. Chega um, apodera-se daquilo que
foi feito por outro compilador, inverte a ordem de importância dos
escritores relacionados (para se conceder ares de sapiência), acrescenta
ou restringe outras figuras, e depois ainda passa tudo para um livro de
papel que logo receberá legitimidade... (aqui, alguns exemplos).
O Quinze, da Raquel de Queiroz, e Tigipió, de Herman Lima, inauguram a década de trinta. Única novidade, uma mulher a escrever como homem e chamando para si as atenções de uma sociedade ultra-conservadora. Livro de valor, sem dúvida, porém comum no tocante a estilo e tema; perfeitamente possível até na visão de uma jovem bem nascida que só sabia das secas por ouvir dizer. Houve até quem insinuasse, à época, que o livro fora composto a quatro mãos, tendo como orientador o tio da escritora que mais tarde viraria apenas nome de lugar: Daniel de Queiroz... (Seguem-se apreciações sobre as obras e os autores citados).
O Quinze, da Raquel de Queiroz, e Tigipió, de Herman Lima, inauguram a década de trinta. Única novidade, uma mulher a escrever como homem e chamando para si as atenções de uma sociedade ultra-conservadora. Livro de valor, sem dúvida, porém comum no tocante a estilo e tema; perfeitamente possível até na visão de uma jovem bem nascida que só sabia das secas por ouvir dizer. Houve até quem insinuasse, à época, que o livro fora composto a quatro mãos, tendo como orientador o tio da escritora que mais tarde viraria apenas nome de lugar: Daniel de Queiroz... (Seguem-se apreciações sobre as obras e os autores citados).
O Canto Novo de Jáder de Carvalho e o Aplauso da Raça
Há várias referências, tanto nos livros de papel quanto na Internet, de que o movimento modernista no Ceará se inicia em 1928, quando Jáder de Carvalho, juntamente com outros poetas, lançam "O Canto Novo da Raça". Isso é certo, mas cabe aqui pequeno reparo, até por respeito aos pesquisadores que estejam realmente interessados na verdade histórica sobre literatura praticada no Ceará. Primeiro: O CANTO NOVO DA RAÇA (título excepcional) se refere apenas a uma coletânea de poemas dos jovens daquela geração posta em livro, e não a um manifesto de algo que viesse a ganhar maior consistência na província, como movimento literário, por exemplo. Segundo: faltava aos componentes do grupo uma maior dedicação à poesia, como sempre se espera do artista realmente vocacionado. Mesmo ao grande autor de Terra Bárbara - cabeça do suposto movimento. Senão, vejamos. Jáder de Carvalho era um Homem culto, destemido e socialista; fundador de jornais (O Combate, A Esquerda e Diário do Povo), e visto muito mais como jornalista combatente que propriamente como escritor, muito embora já se constituísse o principal nome da nossa literatura naquele momento. Ele próprio, em muitas oportunidades, deixou transparecer que se sentia mais à vontade atuando na trincheira política, enfrentando os poderosos, do que construindo versos ou encabeçando movimentos de ordem literária, embora fosse brilhante em qualquer uma das atividades a que se propusesse. Ou seja: naquele contexto social, sobressai-se o temido jornalista, em detrimento de sua excelente obra literária - hoje restrita a uns poucos estudiosos. E isso é grave porque os já naturalmente avessos à literatura em nosso Estado, ainda que se digam cultos e habitem o mundo acadêmico, sabem o mínimo do Jáder escritor, do poeta de méritos; ou se dele conhecem algo, simplesmente o omitem. Senhores que, por sinal, são os mesmos que determinam as obras a serem catalogadas para os Vestibulares, e que jamais distinguiram o autor de Meu Passo na Rua Alheia nessas relações, ao passo que concedem crachás a pseudos poetas e a prosadores apenas medianos. Enquanto isso, o povo comum, os estudantes, pesquisadores etc, ficam sabendo de Jáder apenas o que ouviram dizer, não sabem onde, nem por quem; e quase sempre fatos distorcidos e alheios à literatura. Sabem das futricas, porém desconhecem do poeta seus embates jornalísticos da maior importância, em que, ao estilo de João Brígido, cutucava governantes e assombrava a burguesia, fosse por meio de sua pena afiada, pelo arrojo de sua oratória, ou mesmo no braço - se assim determinasse a circunstância. Todo esse destemor, aliás, aliado à vasta cultura de sociólogo, se fariam fundamentais quando na sua viagem pelo romance e a poesia, o que, infelizmente, poucos conhecem - repito... Na literatura de Jáder de Carvalho comparecem o Jáder jornalista, professor, advogado, humanista, o escritor enfim que jamais se omitiu do seu tempo, e que, nas horas vagas, também era um homem sentimental que fazia poesia. E tudo isso, se por um lado lhe rendeu forte admiração ou ódio por parte de pessoas que habitavam seu mundo, por outro forneceria farta munição aos desafetos de todos os tempos, que sempre tentaram minimizar sua obra - cunhando no homem a pecha de mero panfletário, se bem que assim procedessem por uma motivação bem clara. Em 1967 o poeta lançou ALDEOTA, um romance que causaria verdadeiro reboliço aqui no Estado e cuja primeira edição se esgotaria rapidamente. No livro - misto de ficção e realidade - Jáder faz desfilar personagens que se inserem nas colunas mundanas como respeitáveis figuras da sociedade, quando, na real, não passam de vivaldinos que enriquecem de forma fraudulenta, ao mesmo tempo em que constroem mansões monumentais no bairro que se tornaria o mais famoso de Fortaleza... (Seguem-se análises sobre os romances e a poesia de Jáder). Voltando ao "Canto Novo da Raça" e supondo que tenha sido mesmo um movimento literário, chegaremos à conclusão de que 90% de toda a produção literária do período deve ser creditada a Jáder de Carvalho, cuja obra supera em muito, tanto em qualidade como em quantidade, a de seus pares desse período. Vale citar alguns livros: O Problema Demográfico Brasileiro (1930), O Índio Brasileiro (1930), com especial destaque para os romances: Povo sem Terra (1935), Classe Média (1937), Doutor Geraldo (do mesmo ano), e depois, A Criança Vive (1946), Eu Quero Sol (1946) , Aldeota (1967), Sua Majestade, O Juiz, dentre outros... Outra figura de destaque no "Canto Novo da Raça" foi Demócrito Rocha, um baiano de nascimento, porém cearense de coração. Professor, político, jornalista, um homem perfeitamente integrado ao nosso povo, e que aqui se casou com ilustre cearense, teve filhos, construindo brilhante trajetória na vida pública, com marcante atuação no Congresso Nacional, em que fazia valer seu verbo de orador eloqüente e sua veemência de excelente jornalista, sempre defendendo as coisas de nosso Estado. A exemplo de Jáder, também fundou jornais, foi membro da Academia Cearense de Letras e em 1928 criou o jornal O Povo, ainda hoje um dos mais importantes do país. Um cidadão que atuava em várias áreas, e sem muito tempo, portanto, para maior dedicação à literatura, onde teria sido brilhante se mais tempo tivesse tido. É seu, contudo, RIO JAGUARIBE - belo poema que legaria à terra que tanto amou. Seria esse, talvez, o outro grande nome do Canto Novo. Sidney Neto, outro linha de frente da Raça, era muito mais um boêmio. Não primava pela disciplina do escritor normal. Tinha estampa, usava barbona, mas lhe faltava provavelmente a alma de poeta. Quanto a Filgueiras Lima, o terceiro na linha de importância, esse foi, antes de tudo, um educador. Figura reverenciada na terra de Francisca Clotilde. Fundou colégios e fez do Magistério um sacerdócio. É vasta sua biografia no campo do Ensino em nosso Estado. Assumiu cargos importantes, virou nome de instituições de ensino, e, claro, escreveu versos. Poeta,sim, mas sem grandes ambições literárias.
Há várias referências, tanto nos livros de papel quanto na Internet, de que o movimento modernista no Ceará se inicia em 1928, quando Jáder de Carvalho, juntamente com outros poetas, lançam "O Canto Novo da Raça". Isso é certo, mas cabe aqui pequeno reparo, até por respeito aos pesquisadores que estejam realmente interessados na verdade histórica sobre literatura praticada no Ceará. Primeiro: O CANTO NOVO DA RAÇA (título excepcional) se refere apenas a uma coletânea de poemas dos jovens daquela geração posta em livro, e não a um manifesto de algo que viesse a ganhar maior consistência na província, como movimento literário, por exemplo. Segundo: faltava aos componentes do grupo uma maior dedicação à poesia, como sempre se espera do artista realmente vocacionado. Mesmo ao grande autor de Terra Bárbara - cabeça do suposto movimento. Senão, vejamos. Jáder de Carvalho era um Homem culto, destemido e socialista; fundador de jornais (O Combate, A Esquerda e Diário do Povo), e visto muito mais como jornalista combatente que propriamente como escritor, muito embora já se constituísse o principal nome da nossa literatura naquele momento. Ele próprio, em muitas oportunidades, deixou transparecer que se sentia mais à vontade atuando na trincheira política, enfrentando os poderosos, do que construindo versos ou encabeçando movimentos de ordem literária, embora fosse brilhante em qualquer uma das atividades a que se propusesse. Ou seja: naquele contexto social, sobressai-se o temido jornalista, em detrimento de sua excelente obra literária - hoje restrita a uns poucos estudiosos. E isso é grave porque os já naturalmente avessos à literatura em nosso Estado, ainda que se digam cultos e habitem o mundo acadêmico, sabem o mínimo do Jáder escritor, do poeta de méritos; ou se dele conhecem algo, simplesmente o omitem. Senhores que, por sinal, são os mesmos que determinam as obras a serem catalogadas para os Vestibulares, e que jamais distinguiram o autor de Meu Passo na Rua Alheia nessas relações, ao passo que concedem crachás a pseudos poetas e a prosadores apenas medianos. Enquanto isso, o povo comum, os estudantes, pesquisadores etc, ficam sabendo de Jáder apenas o que ouviram dizer, não sabem onde, nem por quem; e quase sempre fatos distorcidos e alheios à literatura. Sabem das futricas, porém desconhecem do poeta seus embates jornalísticos da maior importância, em que, ao estilo de João Brígido, cutucava governantes e assombrava a burguesia, fosse por meio de sua pena afiada, pelo arrojo de sua oratória, ou mesmo no braço - se assim determinasse a circunstância. Todo esse destemor, aliás, aliado à vasta cultura de sociólogo, se fariam fundamentais quando na sua viagem pelo romance e a poesia, o que, infelizmente, poucos conhecem - repito... Na literatura de Jáder de Carvalho comparecem o Jáder jornalista, professor, advogado, humanista, o escritor enfim que jamais se omitiu do seu tempo, e que, nas horas vagas, também era um homem sentimental que fazia poesia. E tudo isso, se por um lado lhe rendeu forte admiração ou ódio por parte de pessoas que habitavam seu mundo, por outro forneceria farta munição aos desafetos de todos os tempos, que sempre tentaram minimizar sua obra - cunhando no homem a pecha de mero panfletário, se bem que assim procedessem por uma motivação bem clara. Em 1967 o poeta lançou ALDEOTA, um romance que causaria verdadeiro reboliço aqui no Estado e cuja primeira edição se esgotaria rapidamente. No livro - misto de ficção e realidade - Jáder faz desfilar personagens que se inserem nas colunas mundanas como respeitáveis figuras da sociedade, quando, na real, não passam de vivaldinos que enriquecem de forma fraudulenta, ao mesmo tempo em que constroem mansões monumentais no bairro que se tornaria o mais famoso de Fortaleza... (Seguem-se análises sobre os romances e a poesia de Jáder). Voltando ao "Canto Novo da Raça" e supondo que tenha sido mesmo um movimento literário, chegaremos à conclusão de que 90% de toda a produção literária do período deve ser creditada a Jáder de Carvalho, cuja obra supera em muito, tanto em qualidade como em quantidade, a de seus pares desse período. Vale citar alguns livros: O Problema Demográfico Brasileiro (1930), O Índio Brasileiro (1930), com especial destaque para os romances: Povo sem Terra (1935), Classe Média (1937), Doutor Geraldo (do mesmo ano), e depois, A Criança Vive (1946), Eu Quero Sol (1946) , Aldeota (1967), Sua Majestade, O Juiz, dentre outros... Outra figura de destaque no "Canto Novo da Raça" foi Demócrito Rocha, um baiano de nascimento, porém cearense de coração. Professor, político, jornalista, um homem perfeitamente integrado ao nosso povo, e que aqui se casou com ilustre cearense, teve filhos, construindo brilhante trajetória na vida pública, com marcante atuação no Congresso Nacional, em que fazia valer seu verbo de orador eloqüente e sua veemência de excelente jornalista, sempre defendendo as coisas de nosso Estado. A exemplo de Jáder, também fundou jornais, foi membro da Academia Cearense de Letras e em 1928 criou o jornal O Povo, ainda hoje um dos mais importantes do país. Um cidadão que atuava em várias áreas, e sem muito tempo, portanto, para maior dedicação à literatura, onde teria sido brilhante se mais tempo tivesse tido. É seu, contudo, RIO JAGUARIBE - belo poema que legaria à terra que tanto amou. Seria esse, talvez, o outro grande nome do Canto Novo. Sidney Neto, outro linha de frente da Raça, era muito mais um boêmio. Não primava pela disciplina do escritor normal. Tinha estampa, usava barbona, mas lhe faltava provavelmente a alma de poeta. Quanto a Filgueiras Lima, o terceiro na linha de importância, esse foi, antes de tudo, um educador. Figura reverenciada na terra de Francisca Clotilde. Fundou colégios e fez do Magistério um sacerdócio. É vasta sua biografia no campo do Ensino em nosso Estado. Assumiu cargos importantes, virou nome de instituições de ensino, e, claro, escreveu versos. Poeta,sim, mas sem grandes ambições literárias.
Provavelmente Fran Martins nem desconfiava que, ao criar um movimento literário em 1948 (Grupo Clã), sua própria visibilidade viesse a se consolidar mais tarde em outra área, exatamente no campo das Ciências Jurídicas, já como conceituado professor da Universidade que seria fundada por seu irmão Martins Filho - outro linha de frente do grupo. Ou, quem sabe, o Mestre já tivesse plena consciência de que seria praticamente impossível a qualquer autor nordestino sobressair-se com a sua literatura naquele instante, não sendo essa suficientemente forte para romper fronteiras e se emparelhar aos neo-modernistas estabelecidos no sul-maravilha sob comando de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, e mais a D. Lygia, o Sr. João Cabral, o Drummond, o Vinícius, a Cecília, o Bandeira, e todos os remanescentes da geração de 30, ainda em plena atividade: Jorge Amado, Graciliano Ramos, Zé Lins, nossa Rachel de Queiroz, e mais os paulistas do Concretismo, O Dalton lá em Curitiba ou o Érico Veríssimo no extremo sul. Mais cômodo, portanto, e sensato, seria mesmo projetar-se abraçado a uma sólida profissão, assumindo os cargos possíveis, ocupando os espaços estratégicos na província e usando todo o seu inquestionável talento literário apenas na feitura de obras eminentemente técnicas. Seu Curso de Direito Comercial, de 1957, por exemplo, ainda hoje é bastante requisitado no mundo da jurisprudência. Sábia decisão, portanto, a do patriarca, que, aliás, seria espelho para os demais componentes dessa associação que durante quarenta anos supriria todas as vagas da Academia Cearense de Letras, as cátedras universitárias ou os mais relevantes cargos da administração pública estadual; de todos os Institutos, Conselhos, entidades filantrópicas, editorias dos jornais, cartórios e tudo mais. Ou seja: a denominação CLÃ, nesse caso, muito mais que simples referência a tribo constituída por indivíduos que abraçam um ideal comum (no caso presente, a literatura), encaixa-se melhor no sentido de sociedade fechada, patriarcal e completamente distante das manifestações literárias mais espontâneas e abrangentes de seu tempo. Nela, nenhum representante das classes menos favorecidas dessa nossa amada terra de João Câmara e Carvalho Júnior; sequer um contistazinho originário da zona suburbana, ou um mísero poeta não chapa-branca; nada, nada! Apenas circunspetos senhores daquele velho tronco genealógico a que já me referi, todos com suas vastas biografias. Doutores nisso e naquilo outro, jornalistas, médicos, jurisconsultos a produzirem versos rigorosamente formais, contos tradicionalíssimos, ensaios verborrágicos, e até romances calcados no velho naturalismo de mil oitocentos e antigamente. Nada que cheirasse à renovação, que realmente instigasse ou desvendasse caminhos. Apenas os donos da situação estendendo territórios e abarcando cada vez mais todas as franquias oficiais. Moreira Campos, pelo incontestável valor de sua obra, seria a nota destoante dessa escala, se bem que não tivesse o Mestre por isso abdicado das regalias que os senhores da política costumam legar à intelectualidade, até para se concederem ares de magnânimos e preocupados com o desenvolvimento cultural da plebe. Sei...
Bem verdade que
muitos participantes dessa entidade sabiam escrever, eram bons
cronistas, jornalistas, faziam versos normais, publicavam livros, e
dentre esses eu citaria Aluísio Medeiros, Antônio Girão Barroso, João
Clímaco Bezerra e Otacílio Colares, com especial destaque para o
professor Martins Filho - não tanto por sua condição de literato, mas
pelo fato de ter sido um homem empreendedor, dinâmico e que segurou até a
morte um Programa Editorial responsável pela publicação de centenas de
livros aqui no Ceará, inclusive a reedição de obras importantes, sem
dizer que fora ele um criador de Universidades...
Como se observa,
apesar dos méritos de muitos desses senhores que formavam o Clã, nenhum
conseguiu sobressair-se no cenário nacional, tornar-se um nome, como
seria o objetivo natural de qualquer escritor. Destacaram-se em diversas
áreas, viraram nome de rua, mas em termos de literatura, infelizmente,
ficariam todos restritos à província, até mesmo aqueles com maior
talento e que se aventuraram em andanças por Sampa ou pelo Rio de
Janeiro... (seguem-se análises de autores e livros).
A literatura pode
até ser ingrata com muitos, porém há nela um filtro natural: só os mais
relevantes permanecem, ainda que alguns venham a ser injustiçados em
determinada época. Pouco importa que escrevam no Ceará ou em Nova York.
Para não dizer
que a nossa literatura nada tenha produzido de relevante durante esse
longo período em que o CLÃ exerceu rígido controle sobre o que seria ou
não literatura em nosso Estado, eu abriria brecha para José Alcides
Pinto, que sequer fazia parte da Corte do Sr. Fran. Era, digamos, um
livre atirador, e por isso mesmo talvez tenha produzido a mais legítima
literatura desse tempo. Jáder de Carvalho, o excepcional poeta que
despontou como figura de proa do nosso Modernismo, foi outro
discriminado pela Corte do Sr. Martins, muito embora tivesse
permanecido em fértil produção até o derradeiro dia...
O País dos Mourões e Seu Poeta Maior
"Em toda a minha obra, o que tentei foi escrever a Epopeia da América. Creio que não consegui. Quem conseguiu foi o poeta de "O País dos Mourões". Palavras de Ezra Pound, sobre Gerardo Mello Mourão.
O pouco apreço pela cultura do estado do Ceará tem sido um dos grandes responsáveis pela inércia da literatura produzida nesse Estado desde a época em que Antonio Sales tirou a primeira fornada em sua famosa padaria. Ou seja: construiu-se uma espécie de dobradinha nefasta entre escritores de curto calibre e mandatários preocupados apenas em manter privilégios, numa sórdida parceria que vem obscurecendo as reais vocações, a exemplo do que fizeram com Gerardo Melo Mourão, um dos maiores nomes da literatura brasileira de todos os tempos, porém completamente ignorado em sua própria terra, que, aliás, tanto enalteceu com seus versos de largo alcance.
Pergunte-se a qualquer cearense comum quem foi esse poeta genial e ele dirá, nas buchas: "sei lá!". Enquanto isso, mencionará Patativa do Assaré e outros meio escritores sem qualquer importância, mas que já tiveram - imaginem! - arremedos de livros selecionados para os vestibulares na terra de Álvaro Martins. Verdadeira desordem. Descalabro. Não existe nem adjetivo com que se possa dimensionar tamanho disparate. Politicalha. Puxa-saquismo, inveja, revanchismo; sei lá. Como se conceber que um indivíduo com dois ou três livretos extremamente precários possa ter algum selecionado para Vestibular de uma Universidade Federal?! Pois foi o que já ocorreu muitas vezes na terra de José de Alencar, sem que ao maior poeta cearense de todos os tempos se concedesse a honraria, assim como também não fizeram a Jáder de Carvalho, outro poeta que, se não chega ao nível de Gerardo, emparelha-se com Francisco Carvalho.
Já ouvi relatos sobre pseudos escritores que enviavam mimos, via sedex, para figuras-chaves na chamada crítica de resultados, no sul-maravilha. Poetas menores buscando legitimidade na província a qualquer custo, insinuando-se para "sumidades" no assunto, fazendo a política rasteira de detonar concorrentes. Sei lá. Pode até nem existir esses conchavos, tudo não passar da sórdida guerrilha interna que os rascunhos sempre travam entre si em busca de mais vantagens, porém não devemos ignorar que no alto clero das mal-traçadas, em qualquer Estado da Federação, a primeira coisa que um recém-empossado de Secretaria de Cultura faz, logo ao assumir o cargo, é detonar os que ocupam pontos estratégicos, preenchendo as vagas com seus "intelectuais" de cabresto, seus poetas chinfrins, meio romancistas, colunistas de amenidades, normalmente gente ligada à mídia, que funcionará como alter ego do mandatário, amortecendo todos os ataques na direção do Chefe, seja de corpo presente ou através de jornais, rádio e TV. Ora, a coisa que mais deseja um midiático desses é segurar um gordo cargo vitalício e garantir o bem bom para si e os seus pelo resto da vida, já que filho de medalhão, na província, terá vaga certa em qualquer órgão do Estado, independente de sua cor partidária. O vulgo nunca percebe, mas todos esses cidadãos alocados nos cargões da administração pública estão, na maioria, interligados pelo mesmo cordão umbilical, já que oriundos do velho tronco genealógico de cinco ou seis famílias que abarcam simplesmente tudo na terra de Jáder de Carvalho, desde que Martins Soares Moreno aportou por aqui. Não é à-toa, aliás, que certas academias, Institutos e outras entidades dito culturais jamais deixam de ter como membro aquele indivíduo pouco íntimo das letras, mas que, em determinado momento, deteve o comando político do seu Estado. O velho benefício mútuo - o poder literário na sua forma mais mesquinha, completamente distanciado das manifestações artísticas mais legítimas de um povo; de pai para filho, eternamente.
O assunto é interessante e vasto, mas, neste artigo, quero me concentrar apenas em Gerardo Melo Mourão, um artista das letras que elevou o nome de nosso Estado, sem que precisasse em momento algum vincular-se a nenhum movimento ou participar do "toma lá, dá cá". Gerardo, que foi tido, não por acaso, como um dos principais poetas latino-americanos do século XX. Um homem de riquíssima história pessoal e de não menos bela trajetória literária, conforme ele mesmo narrou em muitos de seus livros. A própria biografia do artista já enriquecerias as páginas de um romance, e isso poderemos ver no resumo que fiz dos apontamentos constantes em um de seus livros, posto a seguir:.
Gerardo foi menino entre as estripulias sangrentas de poderosas famílias dos Inhamuns - como ele mesmo narrou em muitos textos geniais. Ao tropel dos cangaceiros e a aventura da Coluna Prestes. Brincou e chorou sob saraivadas de balas, a recolher com a senhora sua mãe (tia da minha) os revolucionários que tombavam sobre a calçada de sua casa. Chegou a ser seminarista, junto aos Padres Redentoristas, enclausurando-se em seguida para se debruçar nos estudos e nas práticas da Congregação do Santíssimo Redentor. Não se tornou padre, é certo, porém permaneceu firme no catolicismo até o fim de sua vida. Foi professor em renomados colégios no Rio, escreveu em diversos jornais, falou fluentemente nove línguas, inclusive o grego e o latim. Esteve preso várias vezes durante a ditadura do Estado Novo, foi perseguido pelos golpistas de meia quatro. Numa das detenções, ficou no cárcere por cinco anos e dez meses, vítima de processo forjado por um Tribunal arbitrário, que o condenara a trinta anos de prisão. Derrubada a ditadura Vargas e extinto o Tribunal infame, o processo ilegal seria anulado por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal. Viajou por toda a América, Europa, e fez da poesia a sua profissão de fé. Costumava dizer: "A poesia é, assim, o único tempo e o único espaço possível. A única categoria humana, exercitada menos no ato de fazer poemas que na forma e no rito de conviver com as coisas, os lugares e as pessoas". No cárcere produziu O "Valete de Espadas", um livro tão bom quanto os melhores de Kafka, cujos originais seriam confiscados por policiais medíocres que alegavam serem textos subversivos. Teve que Lutar durante anos para reavê-los e com ele ganhar Prêmios e traduções em diversos idiomas.
De Gerardo Melo Mourão, disse, certa vez, Ezra Pound, aquele mesmo cara que já fizera implacáveis observações em alguns poemas de T. S. Eliot: "Em toda a minha obra, o que tentei foi escrever a Epopeia da América. Creio que não consegui. Quem conseguiu foi o poeta de "O País dos Mourões" Querem mais?
Não seria exagero se eu
afirmasse que Moreira Campos reinou absoluto no Ceará durante toda a
segunda metade do século XX, e continua, depois da sua morte em 1994,
como a nossa maior expressão no conto. Os menos familiarizados com as
coisas da terra do Padre Verdeixa poderão até se indagar quem teria sido
esse Mestre da narrativa curta. E eu lhes explico:
Moreira era um velho
admirador de Tchekov, que, em 1949, lançou Vidas Marginais - um livro de
contos semelhante a tantos outros publicados até então pelos melhores
cultores do gênero, em todo o páis. Narrativas um tanto longas, temas
corriqueiros; começo, meio e fim. O diferencial estaria, talvez, na sua
extrema habilidade em manusear os assuntos banais, sem despencar para o
lugar-comum. Em suas narrativas, mesmo naquelas de enfoques libidinosos
ou meramente engraçados, nota-se no autor uma constante preocupação em
torná-las menos ásperas ao conservadorismo hipócrita dos analistas de
carteirinha. Mesmo assim, é impossível não se deliciar, por exemplo, com
a história do casal de anões, em que um negro parrudo e escroto lhe
invade a casa para roubar-lhe os parcos pertences. As pecinhas íntimas
da minúscula mulher penduradas no varal, o anão querendo criar marra
para cima do larápio, e esse, de pura cretinice, fazendo gestos obscenos
para sua companheirinha, perguntando-lhe se o agüentaria. Depois, a
moral do nanico peitando a autoridade policial, exigindo providências
para aquilo que considerava grande desonra familiar. Pensem! Ou não
ficar tenso diante da freirinha ingênua sob rígido controle de uma Madre
Superiora cheia de segundas intenções... Segue longo ensaio sobre
Moreira Campos e sua obra).
Cada conto de Moreira se
constitui pequena obra-prima. Percebe-se em toda sua trajetória de quase
meio século de boa escrita, a preocupação com a forma, o aprimoramento
de estilo e a busca incessante pelo efeito estético da palavra. Se no
início construía textos de maior robustez, o que na visão de hoje
poderia ser tomado como exagero, isso se dava exclusivamente por uma
determinante de momento. Nenhum desses contos, porém, se perde pelo
excesso, a exemplo de "Lama e Folhas", uma excepcional narrativa de
muitas laudas que captura o leitor desde o seu primeiro parágrafo...
A partir de "Os Doze
Parafusos", de 1978, Moreira assume nova postura, enquadrando-se
naturalmente à velocidade do tempo, com narrativas enxutas e não menos
densas em seu conteúdo vário. Depois viriam "A Grande Mosca no Copo de
Leite" (1985), "Dizem que os Cães Vêem Coisas" (1987), e a participação
em algumas antologias. Em 1996 suas obras completas seriam publicadas
pela Editora Maltese, de São Paulo (provavelmente custeadas por alguma
entidade), restando agora ao Governo de nosso Estado apenas prestar a
justa homenagem a esse extraordinário escritor que o Brasil ignorou, não
por culpa de seu povo, mas pelo mercenarismo de um mercado editorial
que vem matando o pensamento nacional, publicando apenas traduções
descartáveis e obras no domínio público. Do mesmo modo que certamente
farão com o Mestre, daqui há quarenta anos...
Gravitando em torno de
Moreira Campos, seus companheiros da Academia Cearense de Letras; alguns
a produzirem livros por metro quadrado, outros apenas a reescreverem a
crônica do bode ioiô; e, na periferia literária, o baixo clero a se
engalfinhar por um naco de projeção na província. Todo mundo detonando
todo mundo, jogando pedras no caminho, chaleirando as autoridades,
cavando empreguinhos, produzindo revistinhas e ajudando no traslado da
moribunda... (aqui, análise sobre alguns desses autores).
Durante os anos setenta, nada
de relevante na província, se bem que o período - em plena
efervescência Beatles, pop/rock, libertação feminina e outros babados -
fosse mais que propícia aos experimentos. Se fizermos um retrospecto
sobre esse período, veremos o senhor Francisco Carvalho nos amplos e
luxuosos salões da Reitoria da UFC a remoer seus próprios desencantos ou
a construir orelhas para os livros da Coleção Alagadiço Novo; o Sr.
José Alcides Pinto em sua eterna viagem pelos trópicos da perversão
humana, e mais uma centena de escrevinhadores fazendo barulho ao redor,
cada um se achando a reencarnação de Kafka. Os
que mais ousaram nesse período, foram Carlos Emílio Correa Lima e
Gilmar de Carvalho... (Aqui entra ensaio sobre os autores mais
relevantes das décadas de setenta e oitenta).
Sei que muitos ficarão
indignados ou aliviados por eu ter omitido seus nomes nesses meus
comentários sobre Literatura na terra de Raimundo Varão. De todo modo,
devo dizer a esses senhores que o critério aqui é apenas o valor
literário da obra e não os títulos acadêmicos ou a projeção social de
cada indivíduo mencionado. Em outras palavras: apenas a minha opinião. A
escrita que admiro ou não. Dá licença?
No livro, apreciações sobre
autores dos anos oitenta e noventa, com destaque para a obra ainda
inédita do mais talentoso contista do final do século XX: Napoleão Sousa
Júnior, o autor mais criativo dentre todos das novas gerações e que
simplesmente desistiu de escrever. Trata-se de um caso até certo ponto
dramático, porque somos amigos há muitos anos, e eu sei do devotamento
que ele tinha pela literatura: aquela coisa de lapidar o texto à
exaustão; a criatividade, a perfeição de estilo, o prazer de criar. Pois
é: não escreve mais e pede encarecidamente aos amigos que o poupem da
discução relacionada a livros e escritores...
A década de noventa se inicia sem novidades. Marasmo. Vida ganha para os donos da literatura cabeça chata. O feudo rigorosamente sob controle. Aqui e ali um livrinho de poesia, mais uma orelha do Francisco Carvalho, um comentário no jornal do poder – a confraternização em um clube grã-fino... Em 1997, Pedro Salgueiro publicou um Almanaque de Contistas Cearenses, apresentando não somente aqueles que verdadeiramente estavam se iniciando naquele momento, mas também a velha-guarda do conto cearense, o que só fazia algum sentido pela denominação ALMANAQUE que fora dado à brochura. Dessa forma, a breve e desinteressada citação na mídia local, que se deteve apenas nos medalhões, ignorando quase que por completo o próprio autor da coletânea, juntamente com as duas estudantes de Letras que o auxiliaram na confecção do livro. Pedro Salgueiro ganharia praticamente todos os concursos literários ocorridos no Estado, assim como em outras localidades... De todos os "novos" que apareceram no Almanaque, o destaque ficaria mesmo com Ronaldo Correia de Brito, ganhador de muitos prêmios literários, inclusive um no Estado de São Paulo em que até o consagrado Saramago participava, o que, segundo as más línguas, precipitaria o desenlace físico do grande autor. Ora, se ganhou o Nobel de Literatura, como poderia perder para um autor desconhecido para 99,99% da população brasileira?... Dimas Carvalho seria outro destaque dessa geração. Napoleão, contudo, seria mesmo o mais inventivo, aquele com a incumbência de corromper as estruturas, de investigar exaustivamente várias vertentes da literatura, até se fixar em... nenhuma. Apenas burilar o melhor efeito, adaptar os personagens à narrativa cujo astro principal haveria de ser sempre ele, autor, e não o contrário. Todos os personagens de Napoleão, por mais densos e inquietantes que possam parecer, gravitam em torno do dono, tornam-se secundários diante daquele que os colocou em cena. Invariavelmente morrem sem epitáfio, mas não sem antes cravarem no mármore a inconfundível marca de quem os construiu. Pena que Napoleão tenha abdicado da literatura... (aqui entra os ensaios sobre os contistas mais expressivos do Almanaque.)
Fonte: http://literaturareal.blogspot.com.br/2013/03/literatura-de-autores-cearenses-historia.html
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